Sobre o concurso, vulnerabilidades e outros demônios
“O concurso público é uma vulnerabilidade para a Abin”. Essa é a opinião que o Diretor Geral da Agência Brasileira de Inteligência divulgou ao Valor Econômico e em outros fóruns no Executivo e no Legislativo.
Na percepção dele e de outros servidores que partilham essa visão, a vulnerabilidade está em permitir que pessoas ligadas a interesses estrangeiros ingressem na Abin, o que seria potencialmente danoso à Agência e ao País.
O fato é que para ingressar na Abin, esta pessoa terá que estudar muito. E passar. E ser aprovada ainda na fase de verificação de antecedentes. E passar também pelo curso de formação, observado por professores e psicólogos. Não sendo, portanto, tarefa das mais fáceis.
Também é fato que serviços de Inteligência estrangeiros buscam trabalhar com economicidade: é mais fácil e preciso buscar alguém que já pertença ao quadro de servidores, que já tenha acesso às informações desejadas, como no caso do espião duplo – que não era concursado -, caso com que o Diretor teve que lidar em sua gestão.
Infelizmente, ambiente para buscar servidores insatisfeitos na Agência existe de sobra. A atual gestão de pessoal da Abin tem permitido a criação de um corpo de servidores insatisfeito, que não se sentem amparados pela sua instituição. Há um clima de insatisfação permanente, que é muito mais nocivo à Agência do que a possibilidade do eventual ingresso de um agente adverso.
A aplicação casuística das regras de remoção violam a impessoalidade, a aplicação das regras de capacitação violam o Direito Administrativo e os direitos do Servidor. Questionada sobre as diferenças de tratamento, a administração responde que “os critérios são variáveis” (sic), e as orientações mudam de acordo com quem está no comando, o que gera imprevisibilidade.
Esta situação gera um ambiente de insegurança, frustração e revolta nos servidores. Exatamente o tipo de ambiente que melhor serviria aos propósitos de um adversário. Atualmente, nossa maior vulnerabilidade não está nos nossos adversários, mas em nós mesmos.
A Aofi defende o concurso público como forma democrática e constitucional de ingresso nas carreiras de Estado. Também tem propostas para requisição de servidores concursados de quadros de outras carreiras de Estado e para a revisão dos quadros da Abin no atual cenário de restrição orçamentária.
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Os que defendem o fim do concurso público dentro da Abin estão todos com saudade da época em que famílias inteiras eram incorporadas aos quadros da Agência, por “vocação” e “confiança”. Estão com saudade da época em que amizade e troca de favores eram os critérios de admissão e progressão na carreira. De uma época em que com essa cultura se obtinha a obediência de uma tropa que não critica e só bate palma.
Se estivessem realmente interessados em prevenir recrutamentos de servidores por serviços adversos, deveriam começar por fortalecer a investigação social; por apurar com rigor suspeitas de vazamentos e recrutamentos; por adotar uma política de gestão de pessoal que diminua as insatisfações que causam sentimentos hostis dos servidores contra a própria instituição (que é devidamente explorado por serviços de inteligência adversa); por propor mais leis que amparem os servidores no exercício de sua função.
Mas não. Nenhuma dessas ações toma a atual Diretoria. Então dizer que é contra o concurso público porque isso facilita recrutamento por serviço de inteligência adverso, mas não toma nenhuma atitude que demonstra real preocupação contra essa possibilidade é prova de incoerência entre discurso e prática.